quarta-feira, julho 06, 2005

O tempo que dura

- Me dá um cigarro!
- Oi?
- Me dá um cigarro, por favor!
- Você não fuma!
- Perdão? Quem disse? Fumo e muito!!! Quase 1 maço e meio por dia e em noites de festa chego a 2, imagine.
- Você está tremendo... Abstinência?
- Está certo. Eu tô tentando parar. Mas o lance é a bebida, toda vez que eu bebo eu ..OPA.. Na terapia não me deixam empregar o verbo fumar na primeira pessoa. Quase que eu falo e voltaria duas fases do tratamento.Desculpe, eu estou nervosa. Qual o seu nome?
- Bom, meu cigarro é FREE se é o que te interessa!
- Prazer.
- Prazer.

E ficaram ali, quietos, por um tempo, ao som da moldura.

- Você já leu Violetas na janela?
- Como?
- Nossa, como cigarro me faz bem. Violetas, a peça. Já viu?
- Não, nunca li.
- Eu também, nunca vi. Só consigo me lembrar da imagem da Ana Rosa na peça fazendo a... Dona Violeta? Dei uns seis tragos e me sinto outra pessoa, sério.
- Uma pessoa melhor? Que bom. A Ana Rosa é quem?

Silêncio.

- Se eu volto duas casas cada vez que falo "eu fumo", quantas volto por estar aqui "fumando" , no gerúndio? Nunca gostei de terapia.
- Eu sou terapeuta.

Silêncio.

- Você é muito simpático apesar de tudo.
- Apesar de?
- Fumar FREE, ser terapeuta e não conhecer a Ana Rosa.
- Muito... obrigado.
- Fiquei pensando que se existe vida, existe todo o resto, pra frente e depois. Da morte, compreende? Como na peça. Então, senhor FREE, temos muita história compreendida nesses minutos compartilhados. O cigarro acabou.

O telefone tocou. Foi-se, não antes de apagar seu Marlboro Light no cinzeiro do consultório.