terça-feira, junho 28, 2005

História Redonda sobre o Nada

Poderia falar de amor, mas nessa fase da vida, não sabia sequer onde se encontrava o próprio. Poderia falar de dor, mas considerava a temática intensa demais pra seu momento morno. Pensou em saudade, mas há muito não experenciava a palavra. No mundo das grandes histórias, lutas, paixões, ele não se mobilizava com nada além daquele copo de café forte a sua frente, o barulho da TV ligada na sala ao lado e a tela do computador em branco, virgem, a espera do jorro de palavras. Ele, pelo contrário, nada esperava. Conformado, apenas revivia, entre um gole e outro, memórias cada vez mais distantes, menos suas, sem qualquer espécie de comprometimento ou identificação. Mero espectador de si mesmo. Como quem desiste, perde o trem ou a hora, ele desliga, sem pressa o computador e caminha em direção à sala de onde pode ouvir a voz de algum apresentador brega anunciar algum produto franco para sua mulher que, sentada na poltrona, dorme. A tempos ele não pousa os olhos sobre ela vendo-a de fato, dedicado. Gastando vida, tem se arrastado através dos dias e ali, na frente da figura apática e inexpressiva da esposa, não consegue esboçar nada além de um breve suspiro que não chega a incomodá-la. O apresentador brega deu lugar a um filme pseudo-pornô que inesperadamente o faz pensar em sexo. A inexistência do libido, que a muito se perdera, a completa dissociação do conceito à prática e a presença do flagra possível o fazem desligar o aparelho. Silêncio. No escuro da casa, caminha sem dificuldade até o quarto. Nesta noite, não escreverá nada, pois. Não quer ocupar-se ou outros com palavras tão sem propósito, sem alma. A luz, acesa assim de repente anuncia às suas retinas a mudança, assim como o barulho no corredor anuncia a presença. Ele deita, antes que ela o surpreenda acordado. Não mais se surpreendiam. Estavam ali, lado a lado como dois desconhecidos, que dividem o mesmo espaço, mas preservam todo o resto. Levanta, no susto, como quem acorda de um pesadelo. Nem sequer fechou os olhos. Ele, movido por um impulso, uma lembrança, como quem pega o trem ou chega na hora, refaz o trajeto de volta e encontra ali, o copo de café que lhe guarda um último gole. Frio. Liga o computador. Não antes de perceber o ruído da respiração feminina familiar ao longe. Como quem grita calado, deixa cair a cabeça sobre o teclado. Letras embaralhadas ao acaso marcam a tela ininterruptamente. As mesmas. Infinitas por aquela noite. E mais nada.

domingo, junho 26, 2005

Nem Tudo é Permitido (Parágrafos)


Profusão de idéias. Por que ele naquela noite não conseguia se deter em uma, apenas nessa. No fim todas as possibilidades de início para aquela história levariam aos mesmos casos e terminariam do mesmo modo. Acendeu um cigarro. Pensou, piegas... Verteu a cabeça atenta ao relógio, indicativo da morte, e percebeu, subitamente, que a história já estava sendo contada, escrita. Pensou, Sofia... Ele neste momento era narrado, no ritmo do verbo, não da vida, sem direito a discurso direto. Menos autor que personagem, mais revelador e pessoal que o próprio espelho. Pensou, Alice... Matou-se, para sua surpresa. Contrariando o fim esperado. Pensou, calado...

terça-feira, junho 21, 2005

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Independência!!! Quantas vezes já discuti esse conceito e procurei aplicá-lo diretamente à "minha" vida. Ainda não tenho o direito de me utilizar desse pronome. A vida não é minha. Sozinho posso quase nada. Em pouco tempo, daqui a exatos 9 dias, atinjo a maioridade. A vida já me apressa a dar conta do hoje e dos sonhos, das causas e das expectativas. Sei por onde vou, gosto do caminho escolhido, mas seu fim amedronta. Menos pelo que é e mais pelo que pode ser, pela falta de contorno, de margem. Nunca gostei de trabalho sem moldura, de teatro sem rotunda, de cidade sem costa... Era confortável ter limites. Minhas necessidades agora esbarram justamente aí. Eu me mostrava complacente com a vida em torno e as pessoas se habituaram a me ver daquela mesma forma, a me tratar daquele mesmo jeito, a esperar esta ou aquela atitude e a reprovar duramente descuidos dignos de outros, não meus. Não estou para reprovações. Quero ter o direito de fazer minhas opções, de viver ao meu modo, de xingar ou matar, de quebrar a cara, de entrar em depressão, de não ostentar um sorriso amarelo, de ser quem eu sou. Tolero conselhos, no máximo. Mas esse é o discurso. Devo muito e preciso ainda. Mudar uma imagem, aos olhos alheios ou nossos é mais difícil do que começar do zero, da folha em branco. Quero esgarçar os limites pra além daqui, de mim. Quero a vida cantada, não a vivida. Quero viver a vida, não que a vivam por mim. Quero ser artista integralmente. Quero chegar na nascente. Quero pegar do fundo. Quero coragem.
Não vejo a hora de ser visita.

segunda-feira, junho 20, 2005

Engarrafado

O tempo passa, estagnação. Me encontro parado a horas no mesmo lugar. E horas, no caso, é um recurso linguístico utilizado por esse autor que vos fala. dias. anos. tanto tempo. Penso que o "parado" é o pior estado em que uma pessoa pode se encontrar. Não caminho, não prossigo, estou aqui, PARADO, vendo as mesmas coisas, sentindo os mesmos sentimentos, respirando o mesmo ar, sintonizando as mesmas rádios, rindo das mesmas graças, poetizando da mesma maneira, as mesmas sensações nesse mesmo caderno. Pior, meu telefone, salvação, não toca! Ele me olha quieto, como se também tivesse desistido de sua existência funcional e optasse por não mais cantar, iluminar,vibrar. Tantas vozes, amigos, casos, calados ali. Não me importo. Gal grita tomando o espaço vazio. Deus, como eu prefiro Bethania. Não me importa, eu não importo, nada mais me importa... os carros começaram a andar!